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Mãe de três filhos do primeiro casamento, Ediane estava na quarta gestação, mas o bebê morreu após o parto. Agora, ela não pode engravidar do segundo marido. Família prepara ação judicial
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O enxoval do bebê prematuro, nascido em dezembro do ano passado, ainda está guardado no armário. Pior que a morte de Hugo — três dias após o parto — é a certeza de não poder gerar outros filhos. Ediane Simões Brandão, 35 anos, carrega no ventre uma laqueadura indesejada. Dez meses depois, o procedimento, realizado no Hospital Regional de Taguatinga (HRT), ainda leva a dona de casa às lágrimas. “Eu só queria ter respostas”, lamenta. A mulher vai recorrer à Justiça — a legislação sobre a cirurgia exige autorização prévia (leia O que diz a lei?). A Secretaria de Saúde admite que realizou o procedimento sem o consentimento da paciente, mas argumenta que o ato é ancorado nos riscos futuros de uma próxima gestação. A justificativa é polêmica. Especialistas consultados pelo Correio divergem da explicação e defendem o aviso em qualquer situação.
Um pico de pressão no sétimo mês de gestação levou Ediane ao Hospital Materno Infantil de Brasília (Hmib), na Asa Sul. Lá, ela chegou a ficar internada. A transferência para o HRT se deu, na época, por ela morar em Vicente Pires. “A gestação foi normal, não tive problemas”, conta. Em Taguatinga, ela foi levada à sala de parto. O bebê estava posicionado para nascer. A cesariana ocorreu às 23h36 de 3 de dezembro de 2015. O marido de Ediane, o fotógrafo Sérgio Apolônio, 31, acompanhou o procedimento, mas não pôde ficar com a mulher durante a cirurgia. “Todo o tempo, eu estava no HRT. Antes dos procedimentos, eu consegui ficar na sala de internação. Fiquei sabendo da laqueadura porque ela me contou. É desumano o que fizeram. Não tem justificativa”, diz Sérgio.
Na sala de recuperação, horas após o parto, Ediane ouviu enfermeiras conversando sobre a administração de medicamentos do pós-operatório. Nesse momento, ela escutou que havia passado pela laqueadura das trompas. “Ressaltei que não havia feito esse procedimento, mas elas não levaram em consideração”, lembra. O médico, num primeiro momento, segundo Ediane, negou que tinha feito o procedimento. “Marquei uma consulta e ele disse que não tinha feito a laqueadura, mas a informação estava no meu prontuário.”
Somente um exame poderia tirar a dúvida. O método é invasivo e exige o intervalo de seis meses — a técnica consiste na introdução de um contraste no útero. No total, a família desembolsou R$ 4 mil para fazer o teste.“Imagina a minha cabeça nesse tempo? Eu tenho outros três filhos do meu primeiro casamento, mas, desta união, seria o primeiro, que morreu, e ainda tinha a possibilidade de não ter outra oportunidade. O sonho do meu marido é ser pai. Esse é um direito dele”, reclama. Ediane e Sérgio estão casados há cerca de um ano. O diagnóstico foi implacável: Ediane não tinha mais as trompas. “Eu procuro saber o porquê. Não consigo entender”, ressalta aos prantos.
“Risco futuro”
A Secretaria de Saúde alega que durante a cesariana “houve muito sangramento e complicações”. Diante disso, a paciente supostamente não teria condições de ter novas gestações, devido ao risco de morte — ela estava se submetendo à quarta cesariana. A superintendente da Região de Saúde Sudoeste, Lucilene Maria Florêncio de Queiróz, detalha que o médico poderia ser penalizado se houvesse complicações no futuro. “A situação de emergência tem amparo na literatura médica”, ressalta. Entretanto, admite, a laqueadura não era decisiva naquele momento para a saúde da paciente. “O procedimento foi para evitar a morte em uma possível gravidez futura. O médico estava com uma paciente com o abdome aberto, não havia a necessidade de submetê-la a uma nova cirurgia”, explica. Lucilene justifica que o caso era de urgência.
O advogado de Ediane diz que vai ajuizar uma ação na próxima semana. “Estamos aguardando um orçamento de quanto será a despesa que ela terá com a realização de uma inseminação artificial para definir de quanto será a indenização pedida”, explica Anderson Nazareno Rodrigues. Para ele, a não comunicação do procedimento agrava o caso. “Não perguntaram se ela tinha interesse. Não há nenhum tipo de autorização. Nunca explicaram o motivo da laqueadura. A Ediane só quer engravidar e esse é um direito dela, que ninguém pode tirar”, completa.